Construção do índice de escassez de profissionais de saúde para apoio à Política Nacional de Promoção da Segurança Assistencial em Saúde

 

Sábado Nicolau Girardi
Cristiana Leite Carvalho
Jaqueline Medeiros Farah
Jackson Freire Araújo
Lucas Wan Der Maas
Luis Antônio Bonolo de Campos

 

As desigualdades no acesso aos serviços de saúde ocasionados pela carência e má distribuição geográfica e social de profissionais de saúde, muito especialmente médicos, têm sido apontadas como um problema grave, persistente ao longo do tempo e resistente às mais variadas estratégias adotadas para o seu enfrentamento na maioria dos países do mundo. Em geral, as regiões geográficas mais isoladas e remotas e os segmentos mais pobres e desprotegidos das populações são mais vulneráveis à insegurança assistencial acarretada pela falta ou escassez de profissionais de saúde.

Os conceitos de escassez, carência e privação embora utilizados de forma intercambiável se referem a estados distintos. O conceito de escassez, na economia, é usualmente reservado com referência a situações nas quais os recursos disponíveis são insuficientes para atender as satisfações. Quando falamos em escassez de um bem ou recurso queremos dizer que ele não existe em quantidade suficiente para satisfazer a todos os indivíduos nos níveis que dele necessitam. A intensidade da escassez pode variar em grau (forte/fraca) e natureza podendo ser considerada artificial nos casos em que os governos poderiam, caso decidissem fazê-lo, tornar o recurso em questão disponível para todos ao nível da satisfação.

Já o conceito de carência normalmente se refere a situações nas quais necessidades básicas ou essenciais não se vêem atendidas e nem sempre pela inexistência ou escassez de recursos que podem existir, mas não são acessíveis a todos, por variadas razões, nos níveis que dele necessitam. A privação, por seu turno, costuma revelar uma situação mais grave, de carências múltiplas, a que as pessoas se vêem acometidas. Carências interligadas, que se potencializam e acometem o curso de vida das pessoas, caracterizam estados de privação essencial intoleráveis moralmente.

Nesta linha, entendemos que quando combinadas com outras desvantagens socioeconômicas e situações de altas necessidades de saúde, a escassez de profissionais de saúde agrava o estado de privação essencial. Em países como o Brasil, que tem constitucionalmente assegurado o direito à saúde como dever de Estado sob os princípios da universalidade e equidade de acesso, a existência de situações que não asseguram o acesso a um mínimo de assistência e serviços de saúde para suas populações constituem situações políticas geradoras de problemas de governabilidade além de serem moralmente inaceitáveis.

A razão média de cerca de 540 habitantes por médico em atividade registrada no Brasil atualmente é comparável com a de muitos países desenvolvidos e a distribuição dos médicos pelo território nacional melhorou bastante, sobretudo a partir da criação do Sistema Único de Saúde e da criação da Estratégia da Saúde da Família (ESF). Pelos registros do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), é muito pequeno o número de municípios que atualmente sofrem com escassez absoluta de médicos, ou seja, com ausência completa de oferta de trabalho médico. Em dezembro de 2008, 5 (cinco) municípios brasileiros registravam zero hora de trabalho médico em Atenção Primária (AP) e apenas 38 (trinta e oito) informavam oferecer menos de 40 horas semanais no país, segundo a referida fonte de dados.

Contudo, graves desigualdades sociorregionais na distribuição da força de trabalho médica podem ainda ser observadas. Ao lado da saturação de médicos nas grandes cidades e regiões mais ricas do país coexistem severas carências. Estima-se que em torno de 7% dos municípios brasileiros não contam com médicos residindo em seus limites, e em torno de 25% contam com a razão de um médico para mais de 3.000 habitantes. Do ponto de vista regional, observa-se que as regiões Norte e Nordeste, com 8% e 28% da população do país, concentravam no mesmo período, 4,3% e 18,2% dos médicos, respectivamente, enquanto o Sudeste, com 42% da população, concentrava 60% dos médicos (CAMPOS, MACHADO & GIRARDI,2009).

Esse estudo representa um esforço inicial para identificação dessas áreas e tem seu foco na identificação de municípios com escassez de médicos. A partir da proposição de critérios, indicadores e fontes de informação pertinentes, confiáveis e oportunas foram identificados municípios com privação de médicos e foi construído um índice para medir a intensidade dessa escassez. O trabalho teve como propósito orientar a alocação territorial de recursos (lotação de profissionais, programas e projetos) para apoiar sistemas locais de saúde que vivenciam situações de carência no enfrentamento de severas dificuldades no recrutamento, provimento e retenção
de profissionais.

 

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