Mercado de trabalho médico no estado de São Paulo

Foto: Radilson Carlos Gomes

 

Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp)

O caráter tradicionalmente liberal da Medicina tem sido alterado significativamente nos últimos tempos no Brasil: boa parte dos mais de 260 mil médicos que atuam no país alia trabalho assalariado e prática autônoma em consultórios e organizações hospitalares, numa jornada que chega a acumular três ou mais empregos.

Enquanto nos hospitais da rede pública predomina a contratação de médicos de forma assalariada, no setor privado prevalece a vinculação desses profissionais como autônomos ou como prestadores de serviços terceirizados, por meio de cooperativas ou empresas médicas. De fato, uma tendência crescentemente observada no mercado, especialmente nos hospitais privados lucrativos, vem sendo a organização do trabalho dos médicos na forma de sociedades civis de profissões regulamentadas ou sociedades de quotas de responsabilidade limitada. São também traços desse mercado, entre outros pontos, o aumento da participação das mulheres, ainda que continue prevalecendo o trabalho masculino e relativa juvenização da profissão.

Particularidades como essas, sustentadas pela dimensão e heterogeneidade estrutural do trabalho médico no país, transformam-no em um dos maiores e mais complexos do mundo. Procurando justamente traçar um painel atual sobre a conjuntura desse mercado tão diversificado, a partir de suas tendências e sinais, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) e o Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Minas Gerais (Nescon/UFMG), com o apoio da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), iniciaram um amplo estudo, que teve sua primeira fase concluída em 2001.

Estatísticas sobre um mercado complexo

Para a elaboração do trabalho, a Estação de Pesquisa de Sinais de Mercado, do Nescon/UFMG, combinou o uso de estatísticas de produção regular, a exemplo do IBGE e do Sistema RaisCaged do Ministério do Trabalho e Emprego, com a produção de pesquisas diretas (surveys telefônicos e entrevistas). As estatísticas do sistema Rais-Caged têm se constituído numa espécie de censo do mercado formal no Brasil, sendo de grande valia para analisar o segmento dos médicos assalariados, além de fornecer as indicações necessárias sobre as características institucionais do setor de serviços de saúde. Deve-se lembrar, entretanto, de que sua principal limitação para o setor da Saúde reside no fato de que apenas aqueles que detêm vínculo formal e regulamentado, como celetistas (profissionais regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas/CLT), estatutários, temporários e avulsos regulamentados são reportados na estatística. Os profissionais vinculados a estabelecimentos de saúde na condição de autônomos somente figuram no rol quando são empregadores ou proprietários de estabelecimentos de saúde.

Diferenciais de São Paulo

Estima-se que existam aproximadamente 260 mil médicos em atividade no país, sendo que a cada ano graduam-se cerca de 8 mil novos profissionais. O Estado de São Paulo, com cerca de 30% do total de profissionais, de estabelecimentos e do fluxo de novas entradas, apresenta um mercado comparável ao de muitos países da América Latina ou da Europa Ocidental. Traçando um comparativo sobre o significado desses números: os Estados Unidos que detêm o maior mercado de trabalho médico do Ocidente – contavam com 663.943 profissionais ativos em 1996, com um fluxo de graduados girando em torno de 16 mil novos profissionais por ano.

Segundo o sistema Rais-Caged, em dezembro de 2000, contavam-se cerca de 160 mil estabelecimentos de saúde formalmente registados no país, com mais de 950 mil empregados – que, somados aos da administração pública, constituíam o estoque de vínculos formais de empregos em atividades de saúde em torno de 1,85 milhão.

Entre esses, 12.292 constituíam-se como atividades de atendimento hospitalar (incluídas atividades de urgência) e cerca de 20 mil correspondiam à complementação diagnóstica. A massa de salários gerados ultrapassava os R$ 8 bilhões – sem considerar os encargos sociais. São Paulo, sozinho, respondia por 40% desse total. No Brasil, existiam 1.705 planos de saúde, 33% dos quais em São Paulo. Havia 610 cooperativas médicas, 27,2% em São Paulo, sendo que 145 atuavam no setor de planos de saúde.

É importante ressaltar que, no universo dos 12.292 estabelecimentos de atividades de atendimento hospitalar informados pela Rais, inclui-se uma grande quantidade de unidades constituídas por empresas de profissionais médicos que realizam atividades de atendimento hospitalar mas não se constituem como hospitais propriamente ditos. Na verdade, estima-se que 40% desses sejam constituídas por empresas médicas subcontratadas pela rede hospitalar.

Elevada participação da administração pública

Com referência aos serviços de Saúde, somavam-se 51.753 sociedades por cotas de responsabilidade limitada (9.372 em São Paulo); 25.631 sociedades civis com fins lucrativos (14.004 em São Paulo) e 62.680 estabelecimentos de autônomos que possuíam empregados com carteira registrada (19.352 em São Paulo)2. A elevada participação da administração pública no estoque de empregos médicos (50.1% no Brasil e 60,9% em São Paulo) e a alta prevalência de vínculos estatutários nesse mercado revelam duas questões: primeira, é compatível com o fato de que a forma hegemônica de contratação no setor público seja pela via do emprego formal assalariado; segunda, é decorrência dos pequenos índices de utilização do modelo assalariado para contratação de médicos nos hospitais privados.

A contratação de médicos via organizações de terceiros demonstrava-se altamente utilizada na rede privada, especialmente nos hospitais lucrativos, em alguns casos superando a forma autônoma.

Sobre salários praticados, a moda salarial figurava entre 10 a 20 salários mínimos mensais (dados de 1997): 35,6% dos empregos médicos existentes no Brasil eram remunerados nessa faixa, proporção que subia para 43,9% no Estado de São Paulo – que pagava remuneração superior a 20 salários para 20% de seus médicos. No último trimestre de 1999, os salários médios dos profissionais admitidos com contrato regido pela CLT no Estado foi de R$ 2.258,00, sendo que 48% corresponderam a contratos com jornada semanal de até 20 horas. Observou-se a existência de 146 contratações com salários superiores a R$ 10 mil. Os maiores salários de contratação de médicos no trimestre no Estado foram praticados por hospitais do município de São José do Rio Preto.

Perfil dos médicos

A pesquisa Perfil dos Médicos no Brasil, de 1995, havia revelado que cerca de 50% dos médicos tinham até 40 anos de idade; 32,7% eram mulheres; 61,37% residiam nas capitais e próximo a 30% exerciam a Medicina no Estado de São Paulo. Os médicos, ainda segundo o estudo, apresentavam altos índices de adesão profissional – com taxa de abandono de 0,3% – com baixos índices de desemprego (0,3%) e de afastamento temporário (1,7%).

Cerca de 80% dos pesquisados – incluindo assalariados – mantinham consultórios (estimou-se a existência de 136.660 consultórios) e 18,4% eram empresários. Com relação à renda dos profissionais, o estudo havia calculado média nacional de aproximadamente US$ 1.500 mensais, com significativa variação entre especialidades. Dentre os que contavam com rendimentos superiores a US$ 4.000, estavam os especialistas em Radioterapia e Radiologia, Medicina Nuclear, Cirurgia Cardio-vascular e Mastologia, ao passo que os especialistas em Medicina Sanitária, Genética Clínica e Tisiologia recebiam menos de US$ 2.000 mensais, em média.

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